A química é perfeita, a paixão foi avassaladora e tem tudo para dar certo. Eis que entra em cena o vilão preconceito. Muitos casais encontram na discriminação o principal obstáculo para o romance. Surgem julgamentos infundados a respeito do amor, baseados em detalhes como classe social, cor da pele, cultura e idade. Disposta a desafiar padrões sociais, amigos e família?
A nutricionista Giovana* e o técnico de informática Mateus* encararam a batalha e estão juntos há seis anos. "Foi amor à primeira vista", derrete-se a moça. Logo que se conheceram, engataram um namoro sério, o que assustou os pais dela. "Eu achava que os meus pais implicavam com ele por ser o meu primeiro namorado firme. Mas, aos poucos, percebi que não era isso. O preconceito velado foi se tornando cada vez mais explícito e insuportável", conta.
Giovana mora na Zona Sul do Rio e Mateus, em um bairro da periferia da cidade. Ela conta que os pais não aceitavam essa diferença. "Eles diziam que o fato de a filha ter escolhido um namorado 'pobre' era até aceitável, mas mulato já era demais. 'Netinhos negros? Nem pensar!', como se ser humano tivesse pedigree!", revolta-se.
A solução foi namorar às escondidas. "Era bem difícil, porque os meus amigos também diziam que não ia dar certo, que a diferença era muito grande, que a gente não ia ter papo, que depois de passada a química de pele não sobraria mais nada. Cheguei até a ouvir que o Mateus era interesseiro, que queria o status de namorar uma menina 'rica' e branca", diz Giovana.
De acordo com a psicóloga e escritora Olga Tessari, o ser humano teme tudo aquilo que é diferente e, por isso, faz julgamentos antecipados. "Você oferece um alimento estranho, desconhecido, e a pessoa logo diz 'eu não gosto', mesmo sem nunca tê-lo provado", exemplifica. Sendo os relacionamentos baseados em afinidades, é de se esperar, portanto, que seja difícil lidar com as diferenças. "Por isso o primeiro impulso da família e dos amigos é discriminar. Mas, no fundo, eles desejam apenas o melhor e esquecem que o que é bom para eles nem sempre é o que é bom para o outro", explica a psicóloga.
"Por medo de ter que agüentar mais e mais julgamentos, cheguei até a esconder o Mateus de pessoas que ainda não o conheciam", confessa Giovana. O namoro começou a desandar. "Ele dizia que me amava, mas que não queria me ver em pé de guerra com o mundo inteiro. Lembro exatamente das palavras dele: ‘Não quero mais que a gente seja invisível. Acho que, isso sim, faria a gente não dar certo'. Então, decidi enfrentar o preconceito de uma vez por todas", relata.
A nutricionista aproveitou um almoço de família para resolver a situação. "Quando apareci de mãos dadas com o Mateus na casa dos meus tios foi um choque geral. Lembro dos olhares de espanto até hoje", diz. Antes de dar margem a qualquer comentário, disparou o discurso que, segundo ela, havia treinado a semana inteira. "Eu estava tão nervosa que nem lembro direito o que eu falei, mas garanti que estava muito feliz. Se ia dar certo? Nem eu, nem ele sabíamos, mas eu disse que achava que merecíamos tentar. Chorei muito, meus pais viram que eu estava sofrendo", relembra Giovana.
Foi então que a família começou a dar uma chance ao rapaz. Aos poucos, os amigos também. "Quem ouve não acredita, parece até novela, né?", ri Giovana. "Agora todo mundo respeita muito o Mateus, viram que ele não é melhor nem pior do que ninguém e que é uma boa pessoa", comemora.
Já Cristina Mathias, designer, não teve a mesma sorte do final feliz. "Meu primeiro relacionamento foi perfeito, o melhor da minha vida, mas não deu certo por causa do preconceito de idade. Eu tinha 17 e ele, 32", conta. O preconceito não era dos pais nem dos amigos, mas do próprio namorado. "Ele era uma pessoa muito vaidosa, pensava na aparência, no desempenho, se ia me satisfazer, se eu não teria curiosidade de experimentar relações sexuais com outros homens, já que ele foi o meu primeiro. Também não conseguia imaginar como seria a questão do casamento, dos filhos e não acreditava que eu, quando estivesse no auge dos 30, ainda me interessaria por um homem beirando os 50", explica.
Para piorar, a sogra parecia não apoiar o relacionamento do filho com uma adolescente, apesar de Cristina ter sido sempre muito madura. "A mãe torcia pela ex e colocava muita pressão contra a nossa relação. Ele cedeu", lamenta.
Enquanto o relacionamento de Cristina com o homem 15 anos mais velho não vingou, o da jornalista Alice* nem começou. "Conheci um homem lindo em uma boate. De repente, ele foi se aproximando e começou a dançar comigo. Muitas músicas depois, começamos a conversar. Nome, o que fazíamos, idade... Foi aí que ele mentiu", revela. "Depois que eu contei que tinha 20 anos, ele me pediu para adivinhar a idade dele. Chutei 28, mas ele me corrigiu, dizendo que tinha 25". E assim a noite foi passando, passando, mas nada rolou. Antes de ir embora, Alice tomou a iniciativa de pedir o telefone dele e, dias depois, mandou uma mensagem. Começaram a se falar com freqüência.
"Numa das ligações, ele confessou que queria muito sair comigo, mas que eu era muito nova para um cara que já ia fazer 33 anos. E brincava dizendo que iria ser preso se a gente se envolvesse", diverte-se a jornalista. Não se dando por vencida, Alice rebateu, dizendo que o rapaz estava se preocupando com um detalhe muito leviano. "Dei até o exemplo do meu pai e da mulher dele, quase 25 anos mais nova", conta. "Mas não adiantou, nada o convenceu. Ele não quis nem arriscar comigo. Assim, deixamos de viver algo que poderia ter sido muito legal se ao menos tivéssemos tentado. Bom, acho que eu, pelo menos, fiz a minha parte", garante Alice.
Segundo Anna Paula Uziel, professora do Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o desejo, a paixão e o amor são livres, mas o preconceito é a amarra. A psicóloga Olga Tessari completa: "No fundo, o problema está na diferença". Ela ressalta que, se o casal souber administrá-la, evitando conflitos, mágoas e mal entendidos futuros, é totalmente possível ter um relacionamento "ad infinitum" (ou para sempre).
Para driblar as críticas daqueles que têm preconceitos, não permitindo que elas interfiram no equilíbrio do casal, é importante desconstruir e renegociar os pré-julgamentos através do diálogo. Para isso, é preciso ter paciência. "Se, ainda assim, não der certo, vale a pena ousar e lutar. Um confronto direto pode chocar no sentido de gerar mudança", aconselha Anna Paula Uziel. Se o amor vence no final? Comemore, porque a resposta é sim! Desde que o casal se aceite e desde que saiba lidar de forma positiva com as pressões sociais e familiares, exigindo respeito de todos.
* Os nomes foram alterados a pedido dos entrevistados