quarta-feira, 8 de junho de 2011

Sai na Revista


SOU É HOMEM, MAS DE SAIA, SALTO ALTO E BATOM

Conheça o universo dos homens que se vestem como mulher
Revista IDEIAS. Política, Economia & Cultura do Paraná
Desde que o cartunista Laerte apareceu de peruca, saia, salto alto e batom o assunto veio à tona. Mas o fetiche de vestir roupas do sexo oposto vem de muito tempo. O termo crossdresser é atual e significa em tradução literal “vestir-se ao contrário”. Nos Estados Unidos e na Europa este termo é bastante utilizado e diferencia a fantasia de usar roupas do sexo oposto das preferências sexuais de cada um. Como o assunto é tabu gera preconceitos e estranheza.
No Brasil, existe um site criado há 14 anos por Monique Michele, Deborah Lee, Priscila Queen e Deborah Cristina (nomes fictícios) voltado ao assunto chamado Brazilian Crossdresser Club (BCC), pioneiro no tema. O BCC é voltado a homens que vestem-se como mulher, pois existe também o crossdresser masculino, ou seja, mulheres que vestem-se como homens. Segundo o site, a finalidade é a integração social entre pessoas que têm a fantasia de usar roupas do sexo oposto ou crossdresser.
O site deixa bem claro que não tem caráter sexual ou de encontros. As informações colocadas no portal são dividas por assunto, associadas por região e como fazer para entrar no clube. A anuidade custa R$ 120 reais e a associada tem direito a um perfil dentro do site, ajuda do webmaster e participar do Holiday en Femme, eventos onde todas se encontram, que pode ser um cruzeiro, uma festa ou viagens, inclusive com o direito de levar suas esposas. Hoje há 310 associadas inscritas no Brasil e 26 no Paraná.

Fetiche
É importante fazer uma distinção. Os crossdressers não são necessariamente homossexuais. A opção em usar roupas do sexo oposto é uma fantasia, um fetiche. Os crossdressers não modificam o seu corpo por meio da terapia hormonal ou cirurgias, como os transe­xuais, e muitos têm orientação heterossexual.
O crossdresser é um desafio até mesmo para a área médica. Isso ocorre por falta de informações e estudos detalhados sobre a prática. Para a psicóloga Telma Linhares, o fato de vestirem-se com roupas do sexo oposto não os coloca na categoria classificada pela Associação Brasileira de Medicina, como “transtornos de identidade gênero”.
“Os crossdressers se vestem assim para uma realização particular, é apenas uma fantasia”, afirma a psicóloga.
Alguns crossdressers concederam entrevista para a Revista Ideias e revelam um pouco deste universo enigmático, que subverte o padrão convencional do ver, ser, fazer, e por isso mesmo, cumpre um papel ousado e questionador. E como qualquer atitude que ultrapassa limites e regras mais conservadoras, estremece linhas tênues de comportamento, provoca reações polêmicas e o principal: faz “pensar ao contrário”.
Personalidade masculina
Suzana Rodrigues é de Curitiba e tem 35 anos. Trabalha como assistente administrativa. Ela explica que “ser crossdresser, nada mais é que gostar de se produzir e estar como mulher, independentemente da escolha sexual”. Suzana diz que pelo preconceito, ainda há poucas crossdressers que se arriscam a sair produzidas de casa. “É muito difícil ter pessoas da família e amigos que aceitem tranquilamente, pois há certos “rótulos” que virão junto com você, como de você ser gay ou travesti, como se quiséssemos apagar por completo nossa personalidade masculina, o que não é verdade. E esses preconceitos são muito difíceis de mudar”, desabafa.
Suzana conta que há pessoas de diversas classes sociais que são crossdressers e explica que muitos não conseguem viver de uma maneira plena esse estilo de vida, por preconceito e por causa da profissão, e revela que existe o crossdresser masculino também, que são mulheres que gostam de se vestir como homem.
Universo feminino
A história de Suzana começou quando tinha 17 ou 18 anos, e por morar apenas com a mãe e a irmã, acabou tendo contato com universo feminino que sempre gostou. O desejo pelo “estar feminina” sempre a atraiu, até que um dia, sozinha em casa, se produziu com roupas de sua irmã, e isso só desencadeou um desejo cada vez mais constante de estar produzida.
“No dia a dia, que é como homem, tenho muitas coisas a fazer, e nem sempre acontece de eu poder me produzir, pois existem várias variantes que eu considero, pois minha família não sabe que sou crossdresser, nem meus amigos, ou seja, é uma identidade paralela, que normalmente quem me conhece como Suzana conhece a Suzana, e quem me conhece como homem, apenas me conhece dessa forma”.
Suzana conta que existem eventos que o Brazilian Crossdressing Club organiza para que as crossdressers possam ir, por exemplo, em cruzeiros, onde elas podem estar como mulher, inclusive podem levar suas esposas — quando elas sabem e apoiam — e amigos, ou mesmo bares GLS (gays, lésbicas e simpatizantes) onde possam se sentir confortáveis como mulheres e tratadas como tal.
Biquíni
Juliana Pinque, curitibana, tem 35 anos e trabalha como autônoma. Explica que crossdresser é “homem que se veste de mulher sem que isso influencie em sua opção sexual”. Declara-se heterossexual e diz que sua história começou quando resolveu vestir a roupa que uma namorada havia deixado em sua casa. Juliana diz que no dia a dia não costuma se vestir de mulher, mas que já passou 15 dias na praia de biquíni e adorou. Conta também que teve namoradas que gostavam desta fantasia, que para elas era como “brincar de boneca, só que no caso, eu era a boneca, que elas vestiam, maquiavam e muitas vezes saíam juntas assim”.

Preconceito Yummy, curitibana, tem 39 anos e trabalha como engenheira. Define crossdresser como “poder se postar em situações do sexo oposto”. Começou mais como uma curiosidade, quando na época de ginásio aproveitava a ausência de familiares em casa para experimentar roupas e maquiagens da irmã e da mãe. Yummi também não pode incorporar na sua rotina a sua vestimenta feminina, mas sai ocasionalmente em baladas.
Sobre o preconceito, Yummi diz que não sente muito porque quando está vestida de mulher frequenta ambientes discretos ou favoráveis a isso, mas dispara: “existe somente a percepção geral, no meio da sociedade que convivemos, que deve sim existir muito, haja vista a quantidade de comentários, brincadeiras que o tema ainda provoca”.
Fantasias
Selminha Rocha, 54 anos, nasceu em Maringá e mora em São Paulo, onde atua como consultora empresarial. Ela diz que ser crossdresser é muito mais do que se vestir de mulher. “É algo que existe dentro de cada um, e que nem por isso qualifica como homossexual. Eu, por exemplo, não curto homem, é algo que me fascina apenas provocá-los, isso sim me excita e muito”.
Selminha conta que sempre teve bons relacionamentos com mulheres e encontrou muitas delas que participaram e contribuíram com seu lado feminino.
Ela revela que viaja muito na sua profissão, hospedando-se em hotéis. “Isso facilita e muito as minhas montagens, mas uma coisa é certa; já faz anos que só uso calcinha mesmo no dia a dia, muito raramente uso cuecas.
Diz que algumas pessoas sabem do seu modo de vida, mas a maioria “não imagina e nem sequer sonha”. Selminha conta que viveu por oito anos com uma crossdresser em Paranavaí e “com ela eu era homem e mulher”.
Sobre preconceito, Selminha é categórica. “Um dia sei que isto será superado e que talvez eu não esteja mais aqui para ver, mas quer saber, prefiro assim, acho que é um objeto de controle e que me deixa um pouco mais comportada, penso que se não fosse assim, acho que ficaria sem graça, é como um namoro às escondidas, quando descobrem, perde-se o encanto, entende?”.

Juliana Pinque adora vestir
as roupas das namoradas


Suzana Rodrigues define crossdresser
como um estilo de vida